Redes Sociais, Histeria e Contemporaneidade
Introdução
Há muito sabemos que o ponto de partida da Psicanálise deu-se através do interesse sobre a histeria de conversão e um debruçar de Breuer e Freud sobre o que tinham a dizer as doentes da época. Nas descrições dos casos atendidos ao final do século XIX temos mulheres com paralisia, esquecimento da língua materna, cegueira, paresia de músculos, rigidez, perturbações na visão entre outros sintomas que a medicina não conseguia explicar. Nos estudos sobre a histeria Freud percebe que os sintomas físicos tinham causa exclusivamente psicogênica e tratavam-se da expressão corporal de conflitos relacionados à intimidade da vida psíquica – desejos inconscientes. Os sintomas revelavam-se então uma solução de compromisso, uma forma através da qual o recalcado poderia ser admitido na consciência mantendo um caráter irreconhecível e enigmático cuja compreensão poderia dar-se através da investigação analítica.
Atualmente e considerando as variáveis culturais e sociais, podemos pensar nas diversas formas de expressão da histeria onde, para o presente trabalho, interessa a relação com a internet e, mais especificamente, as redes sociais. Assim como Freud já destacava a relação da histeria com a teatralidade e uma captura pela forma como se expressa (pantomima), vivemos tempos de um espetáculo da cena social e, como postula Birman (2000), “a captação narcísica do outro” sendo a imagem condição de sedução e fascínio. A díade imagem-plateia aparece então reforçada através do uso das redes sociais, onde a cena é valorizada ou desvalorizada através do número de visualizações, interações ou likes em suas diferentes plataformas. Como dito por Bollas (2000) “cenário convidativo para a “performance” do “corpo-teatro” de uma histérica”, espaço privilegiado para oferta de imagem, exibicionismo e voyeurismo. A questão da imagem e olhar do outro ganham então na internet um lugar privilegiado que, ao mesmo tempo que parece expressar um bem-estar a qualquer custo e um cenário privilegiado para identificações, também parece esconder um sofrimento abismal do que se vive para além da telinha dos eletrônicos. A expressão e a teatralidade tratam maciçamente de viagens, jantares, sorrisos e diversos momentos felizes nos stories, mas qual a sintomatologia por trás disso e por onde passa o interesse identificatório? Do que se trata essa mostração e a que/quem ela visa?
As redes sociais
Como dito anteriormente, as redes sociais e sua crescente disseminação demonstraram-se um terreno propício para o teatro histérico. O famigerado Facebook, destacou-se ao perceber que os usuários de rede interessavam-se particularmente pela vida de seus amigos, criando então um feed onde as publicações de suas vidas pudessem aparecer seguidamente em um longo histórico. Há espaço para texto, foto, vídeo, check-in em estabelecimentos, lives e tudo aquilo que sirva de intermédio para a publicação da vida pessoal. A rede social provoca logo de início “O que você está pensando?” em um convite para que as pessoas possam falar sobre si, sobre seus acontecimentos e etc.
O Instagram, por sua vez, é uma rede social que privilegia o uso da imagem através da publicação de fotos e vídeos, ditando tendências de tipos de foto, viagens, moda e etc. Atualmente as maiores contas da rede social são lideradas em maioria por mulheres consideradas “símbolos sexuais”, no caso, Selena Gomez, Taylor Swift, Beyoncé e Ariana Grande. A rede social é uma das grandes responsáveis pela propagação de fotos tipo “selfie”, privilegiando o compartilhamento da própria imagem através da câmera frontal dos celulares.
O Twitter propõe que os usuários possam se expressar através de textos curtos, permitindo o uso de GIFs e imagens e destaca-se pelo uso das famosas hashtags (#) evidenciando as temáticas mais comentadas por cidade e no mundo inteiro.
Por fim, para abordar as principais redes sociais do momento, temos o Youtube cuja força se tornou capaz até de criar uma nova profissão, “Youtuber”, como aquele capaz de criar conteúdo para a rede social e entreter através da publicação de vídeos.
Mas o que esses espaços da internet têm em comum? São lugares estimulantes para a exibição da imagem. Seja através de foto, vídeo, texto ou histórias curtas (stories), as redes sociais convidam não só a exposição, mas também para a dinâmica aprovação-desaprovação através de curtidas, compartilhamentos e etc. Em outras palavras, quem quer ser mais bem visto e reconhecido em todas essas plataformas, deve postar o que (acredita que) agrada à rede e o resultado é a quantidade de exposição de atividades de lazer, viagens, momentos íntimos e fotos do próprio corpo ângulos mais favoráveis para ter um perfil popular, cheio de comentários e curtidas.
A histeria
Os famosos Estudos sobre a histeria (1893/5) que tiveram como base o caso Anna O., atendido por Breuer, para o qual Freud dá atenção especial no embasamento de sua teoria, sendo conhecido como o caso inaugural da Psicanálise. Até então os tratamentos recomendados para o quadro eram a hidroterapia, eletroterapia, massagens e a cura pelo repouso até que, pelo insucesso destes e após contato com Charcot, Freud inicia o uso da hipnose. Posteriormente, o autor vem a considerar o método catártico, a associação livre, a transferência e etc como fatores que complexificavam sua teoria. Fato é que se tratavam de fenômenos até aquele momento sem explicação e que puderam passar da sintomatologia e do teatro corporal para uma possibilidade de fala e acesso aos conteúdos inconscientes encobertos pelo recalque.
Como definiram Roudinesco e Plon (1998):
“Derivada da palavra grega hystera (matriz, útero), a histeria é uma neurose caracterizada por quadros clínicos variados. Sua originalidade reside no fato de que os conflitos psíquicos inconscientes se exprimem de maneira teatral e sob a forma de simbolizações, através de sintomas corporais paroxísticos (ataques ou convulsões de aparência epiléptica) ou duradouros (paralisias, contraturas, cegueira)”.
Falamos então de uma série de sintomatologias e expressões corporais que diziam de algo que as pacientes não conseguiam dizer em palavra, conflitos de ordem sexual infantil, mas que, através de uma solução de compromisso, mostravam-se de forma enigmática.
Articulações entre a histeria e o uso das redes sociais na contemporaneidade
Tal qual os sintomas observados por Freud, temos na atualidade uma exacerbada mostração do teatro da vida real. A histeria traz como forte característica uma dramatização e busca de atenção, o olhar do outro. As redes sociais se revelaram, então, um grande palco da vida pessoal, mas não em sua totalidade ou fidelidade, mas observando aquilo que traz aprovação através de comentários e curtidas.
Como descrito por Costa (2007):
“Em tempos de Hipócrates, as histéricas se apresentavam caídas no chão, entre espasmos e gesticulações, sem voz e, às vezes, sem sentido. Na Inglaterra do século XVIII, sob um olhar dessexualizado, a histérica mascarou-se pálida, quase desfalecida, vaporosa, reduzindo as crises histéricas a vertigens e desmaios.”
Podemos pensar, então, a histeria na atualidade de forma maximizada e quiçá epidêmica nesse grande palco sem fronteiras, onde todos e todas podem ser estrelas das redes sociais através do reconhecimento e dos olhares dos outros, podendo, inclusive, fazer disso uma profissão. É possível acompanhar a vida de celebridades, de objetos de idealização e de identificação, vide exemplos que mencionei sobre os maiores perfis do Instagram na atualidade. À propósito, a identificação tem lugar privilegiado no sintoma histérico como já descrevera Freud (1900):
“A identificação é um fator altamente importante no mecanismo dos sintomas histéricos. Ela permite aos pacientes expressarem em seus sintomas não apenas suas próprias experiências, como também as de um grande número de outras pessoas: permite-lhes, por assim dizer, sofrer em nome de toda uma multidão de pessoas e desempenhar sozinhas todos os papéis de uma peça”
Como apontei, para o caso das redes sociais, vemos a expressão daquilo que se supõe querer ser visto, aquilo que venha a expressar não apenas um usuário e suas experiências, mas aquilo que outras pessoas possam também gostar, sentir, identificar e serem seduzidos. A vivência histérica é de uma busca incessante pela possibilidade de ser o falo do outro diante de um feed repleto de histórias, fotos e experiências diversas tendo, assim, aprovação e destaque. Como mencionei anteriormente sobre o Facebook e em seguida quanto a outras plataformas, observou-se um particular interesse dos usuários pela vida uns dos outros, ganhando terreno e volume no grande palco que a internet se tornou. A identificação e a alta adaptabilidade histérica, encontraram nesse espaço grande sintonia e possibilidade de expressão a partir de imagens [ditas] perfeitas.
Referências bibliográficas:
BIRMAN, J. Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2000.
BOLLAS, C. Hysteria. São Paulo: Escuta. 2000.
FREUD, S. Estudos sobre a Histeria (1893/5). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Edição Standart brasileira. Vol. II. Rio de Janeiro: Imago, 1996
FREUD, S. A interpretação dos sonhos (1900). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Edição Standart brasileira. Vol. II. Rio de Janeiro: Imago, 1996
ROUDINESCO, E.; Plon, Michel. Dicionário de Psicanálise; tradução Vera Ribeiro, Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Zahar. 1998.
Referências eletrônicas:
COSTA, Patrícia Martins Costa. Internet: o retorno à histeria. XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Santos. 2007
Acesso em 05/05/2018:
http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R0123-2.pdf