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Desenvolvido por SD TecnologiaA maioria dos preceitos técnicos que seguimos na condução das análises não se baseiam em nada senão na imitação de Freud. A teorização é posterior e não tem outra função que não a de uma racionalização para justificar torná-la uma regra padrão. Deve-se evitar que o divã seja encarado pelos pacientes por horas a fio. A duração das sessões aos dez minutos necessários para espairecer entre atendimentos. E, quanto a regra de abstinência, há um valor preconizado na vida como uma virtude moral que não tinha outra origem a não ser o sintoma do pai fundador.
A Abstinenz tornada regra para os pacientes era acompanhada por outra destinada aos psicanalistas, denominada “regra da indiferença” (indifferenz), traduzida pelos franceses como “benevolente neutralidade” (neutralité bienveillante). Descrevia a atitude “desapegada-sem-ser-hostil” que os profissionais deviam ter frente a todos seus pacientes. Um espelho opaco.
Já a abstinência recomendada para os pacientes durante o tratamento, refletia a que ele mesmo observava na vida por desejo próprio. Com efeito, a continência era um ideal pessoal, ao ponto de ter feito de Leonardo da Vinci, comprovadamente, um homossexual praticante, o herói da sublimação, chegando a dizer que a força motora de sua obra se originaria no sexo não praticado durante uma vida própria de um eremita, o que é historicamente falso. Ele mesmo reconhecia ter abandonado toda prática erótica após os quarenta anos (Roudinesco, seguindo a correspondência, diz que, ao todo, Freud fez sexo durante nove anos de sua vida, seis dos quais a sua mulher grávida fora mormente poupada de semelhantes provações).
Aos pacientes, impunha como regra o que para ele parecia ser um modo de satisfação fundamentado na lógica de uma fantasia que reza que a força das pulsões represadas servirá para mover o gerador do tratamento psicanalítico. Evidentemente, isso só era pensável para tratamentos que com duração entre um e seis meses, a seis sessões semanais em média, não para os intermináveis tratamentos que praticamos hoje em dia a razão de duas sessões por semana. Seja como for, esta regra, que parece saída diretamente de um caso de neurose obsessiva, permanece até hoje inconteste, ao menos de modo teórico, entre os psicanalistas do mundo inteiro.
Comentando as vicissitudes dos tratamentos psicanalíticos da primeira e segunda geração de analistas europeus, entre os quais tornou-se um hábito, além da mania interpretativa, analisar os próprios filhos, mais as teorias desenvolvidas para justificar a abstinência como correlato da “regra fundamental” (a associação livre), podemos colocar em questão os modos como se transmite de uma geração a outra, até hoje, um sistema deontológico fundamentando na idiossincrasia sintomática dos pais fundadores (e o mesmo se aplica a Lacan e suas sessões curtas).
Pretender higienizar essas práticas da “época heroica”, em nome de tal ou qual pureza ética, tem servido apenas para continuar não querendo saber da lógica que lhes dava um sentido. Interrogá-las, ao contrário, permitiria demonstrar coisas como que a primeira fundamentação da lógica da fantasia. É uma elaboração teórica da análise da própria filha feita pelo pai. Falamos de “Bate-se Numa Criança”.
É imprescindível, por fim, desfazer a confusão entre a “atenção flutuante” (correlato, do lado do analista, da associação livre) e a abstinência de Freud, sintoma dele transformado em setting. Vida necessária à obra? Eis a questão. A mesma, inclusive, que se coloca sem falta quando se estuda a vida dos artistas e suas criações. Mas esses não costumam seguir uma regra de abstinência.
programa
1. Quando os pais analisavam seus filhos: o tempo de antes das regras
2. Não é viciado quem quer senão quem pode: a abstinência interrogada pelos artistas
3. Desde quando a abstinência é uma virtude analítica?
datas
sextas-feiras | 10, 17 e 24 de novembro
horário | 9h às 12h
carga horária
9 horas (3 aulas de 3 horas cada)
dirigido
a psicólogos, psiquiatras, psicanalistas, estudantes e profissionais das áreas da saúde
preço
duas mensalidades de R$ 320,00
alunos do CEP: duas mensalidades de R$ 290,00
Adela Stoppel de Gueller
psicanalista, formada em Psicologia na Universidade de Buenos Aires. Mestre e doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Pós-doutora em Psicanálise pela UERJ. Atualmente coordena o Departamento de Psicanálise com Crianças no Instituto Sedes Sapientiae e os Projetos de Pesquisa Gemelar: Gemelaridade e Reprodução Assistida Novos Desafios para a Psicanálise e Sustentar: Psicanálise, infâncias e Saúde Pública. É professora do Curso de Especialização em Teoria Psicanalítica na COGEAE-PUC-SP e dos Cursos Formação em Psicanálise com Crianças e A Criança e a Palavra: a Linguagem na Clínica Interdisciplinar no Instituto Sedes Sapientiae. É autora de livros na área, entre eles: "Intoxicações Eletrônicas: O Sujeito na Era das Relações Virtuais", "Gênero e Sexualidade na Infância e na Adolescência", ed. Ágalma e "Psicanálise, Sexualidade e Gênero: um Debate em Construção", ed. Zagodoni.
Ricardo Goldenberg
psicanalista, mestre em Filosofia pela USP, doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Autor dos livros "Ensaios sobre a Moral de Freud" e "Goza", Ed. Agalma, "No Círculo Cínico: ou Caro Lacan, Por Que Negar a Psicanálise aos Canalhas?", ed. Relume-Dumara, "Política e Psicanálise", Jorge Zahar Editor, "Psicologia e Análise do Eu, Solidão e Multidão", Coleção "Para ler Freud", ed. Civilização Brasileira, "Do Amor Louco e Outros Amores", "Desler Lacan", ambos da editora Instituto Langage e "Inconscientes", ed. Sinthoma.